Quando tudo começou na China e os noticiários mostravam a preocupação com o novo coronavírus, que causa uma doença respiratória aguda, o problema parecia distante. Por aqui, ninguém imaginava que a situação seria classificada como uma pandemia atingindo vários países do mundo, inclusive, as terras tropicais brasileiras
Por isso, quando surgiu o primeiro caso no Brasil, houve quem desdenhasse da gravidade do problema. Primeiro veio a negação, depois a banalização e para quem a ficha já caiu, já surgiu o pânico. "As pessoas demoram para aceitar a situação porque é tão distante de suas realidades usuais, que entram em processos (em distintos níveis) de negação", explica o psicólogo Ricardo Wainer, psicoterapeuta cognitivo-comportamental e professor titular do Curso de Psicologia da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica Rio Grande do Sul)
Primeira reação: "isso não vai nos afetar"
Catástrofes e pandemias geram um tipo de luto, aquele sentimento de perda que faz a gente ficar passada e descrente por um tempo. De repente, o que estava apavorando os chineses do outro lado do mundo chegou aqui?
Segundo Wainer, essa negação momentânea da gravidade da realidade constitui-se numa tendência de querer diminuir o impacto psicológico das mudanças cotidianas necessárias para se proteger da contaminação.
Adotar uma higiene mais intensa, isolar-se socialmente e evitar o tradicional aperto de mão são tarefas simples, mas que geram estresse porque alteram a rotina. "É uma mudança cultural, por isso provoca tanta dificuldade", completa o psicólogo Fabricio Guimarães, doutorem Psicologia Clínica pela UnB (Universidade de Brasília) e membro do Núcleo de Gênero e Psicologia Clínica e Cultura da mesma instituição (NEGENPSIC/IP/UnB).
Por isso, a Europa também enfrentou essa dificuldade, já em países orientais em que a higiene é mais acirrada, o controle foi mais fácil. Para Guimarães, não é fácil entender que aquela corridinha ao mercado pode trazer perigo. "Quanto mais velhos, mais difícil é adaptar-se a uma nova rotina, pois a pessoa já tem seus hábitos regulares bem estabelecidos. Por isso, a dificuldade enfrentada em convencer os idosos, o grupo mais vulnerável", acrescenta.
Segunda fase: "que exagero!"
Depois da negação, vem a banalização. E cada um classifica a situação como quer: histeria pode ser uma delas. As pessoas não entendem que a situação é grave, afinal ainda não é contabilizada. Pensar em prevenção ainda é um caminho a ser conquistado. Por isso, essa é uma fase que precisa ser combatida com informação correta.
De acordo com o psiquiatra Rodrigo Leite, coordenador dos ambulatórios do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), é essencial não estigmatizar a situação e desqualificar a ansiedade coletiva. "É um período novo e cheio de incertezas, afinal essa geração atual ainda não havia passado por uma pandemia. E manter uma consciência coletiva é a grande lição do momento", classifica.
Bateu o desespero
Com a certeza de que a situação é realmente grave, a negação e banalização dão lugar ao pânico. A corrida para comprar álcool gel até esgotar das prateleiras, ou lotar o carrinho de supermercados de pacotes de papel higiênico. "São algumas fases para surgir de fato a aceitação", comenta Guimarães.
E tentar manter equilíbrio, apesar de os números aumentarem a cada dia, é fundamental para passar pelo furacão. "É uma experiência traumática coletiva, mas que pode ser enfrentada seguindo regras básicas e fáceis de serem colocadas em prática. E que deve se prolongar por meses, portanto, é importante guardar energia para sobreviver a tudo isso", alerta Leite.
O poder do convencimento
Para quem a situação já foi compreendida, cabe o desafio do convencimento. É importante mostrar a gravidade aos demais e entender que essa assimilação vai acontecendo aos poucos. "A informação e as campanhas desenvolvidas ajudam a mostrar que a coisa é seria e a forçar uma mudança", diz Guimarães. Afinal, é a informação correta que descontrói a ideia de banalização.
A suspensão das aulas, os shoppings fechados, as fronteiras vigiadas, enfim tudo isso vai provando aos mais céticos que a situação é grave e, se não houver participação responsável, pode se agravar ainda mais. "É importante, no entanto, controlar o estresse, pois ele pode reduzir a imunidade e nos deixar mais vulneráveis", alerta Leite.
De acordo com Wainer, também é importante manter uma vigilância mais constante em não agir dentro dos automatismos usuais. "Reverter certos hábitos sociais, mas não se sentir acuado pela pressão social de não parecer empático, educado ou gentil nas interações sociais", sugere.
Aliás, a tecnologia nesse momento é uma grande aliada para manter contato sem ter de interagir presencialmente. E é preciso ter cuidado e paciência com os mais velhos, mostrando tudo que está acontecendo, mas de forma acolhedora. Sem que toda essa mudança pareça um castigo. "O risco de complicações não é desprezível, por isso é importante respeitar as regras e o isolamento social é vital para a organização nesse momento e controle da pandemia", reforça o psiquiatra.
E por fim, uma dica essencial para garantir saúde mental nessa fase tão complicada: mantenha o humor, relembre coisas engraçadas, leia ou veja filmes divertidos, repasse mensagens de esperança. "Não alimente o desespero, mas aproveite a oportunidade para ser útil, ajudar também é uma ótima estratégia para sair da angústia", finaliza Leite.