O profissional workaholic e sua relação com o trabalho

O conceito de trabalho tem várias significações e varia conforme a cultura de um determinado grupo social e em um dado momento histórico. Na língua portuguesa a palavra trabalho tem sua origem no termo latino trabaculum, entretanto cita-se como origem também o termo do latim,tripalium, que era um instrumento feito de três paus com  pontas de ferro, usado por agricultores para bater o trigo, as espigas de milho e o linho, para rasgá-los e esfiapá-los..  Importante frisar que tripaliumtambém vem a ser instrumento de tortura cuja origem é o verbo tripaliare, no latim, que significa torturar. Daí a associação que se faz do trabalho com padecimento, sofrimento e cativeiro.
 
No que diz respeito ao trabalho na área da saúde, a medicina saiu de sua condição de atividade originalmente artesanal e tornou-se institucionalizada, tecnologizada e burocratizada com fortes características empresariais, com múltiplas especializações e inovações tecnológicas e impondo novas divisões no processo de produção/trabalho.
 
O hospital antes considerado local de caridade e filantropia, apresenta-se como uma grande empresa, cuja finalidade primeira é a promoção, proteção e manutenção da saúde da comunidade, através da prestação de serviços. Por outro lado, estes serviços têm sofrido um processo de mercantilização de acordo com interesses capitalistas e a medicalização da sociedade se enquadra neste bojo, domesticando o corpo e impondo padrões de normalidade. Em contrapartida, do outro lado da moeda, encontramos profissionais de saúde que se reconhecem workaholics. Esta palavra em inglês é universalmente conhecida para designar aquelas pessoas que são viciadas em trabalho, ou seja, sentem-se dependentes das suas atividades de tal maneira que nunca descansam, trabalham em um ritmo bem superior ao esperado, raramente tiram férias e quando o fazem, não conseguem se desligar de suas funções, não sabem usufruir o ócio/lazer com criatividade, revelando-se ansiosas e irritadas, com dificuldade de convívio familiar e social, não raro desenvolvem processos de depressão e se acostumaram a trabalhar sob stress, transformando inclusive, o trabalho em válvula de escape para seus conflitos pessoais.  São pessoas bastante valorizadas por serem muito produtivas e este reconhecimento, estimula o profissional a manter-se nesta posição. Motivados pela busca do sucesso, gratificação financeira, status e reconhecimento social, os profissionais de saúde, em especial os médicos, muitas vezes desenvolvem esta forma de relacionar-se com o trabalho, minando a sua saúde física e mental. Existem seis pontos de desequilíbrio entre os indivíduos e seus trabalhos, quais sejam: 
 

  • excesso de trabalho, e sem chances de encontrar alívio. Fora do trabalho também não há alívio pois existem as cobranças que o seu cotidiano particular lhe faz: crianças,  a administração da casa, pais idosos. Com a renda da família cada vez mais baixa, trabalha-se mais, têm menos férias e mais preocupações
  • falta de controle e autonomia para decidir quais os procedimentos são mais importantes para a realização do seu trabalho;
  • remuneração insuficiente que gera a perda da satisfação intrínseca ao trabalho;
  • fragmentação das relações pessoais que mina o trabalho de equipe, trazendo conflitos e levando a um sentimento crescente de isolamento;
  • ausência de equidade entre os membros da equipe, faltando confiança, franqueza e respeito entre eles;
  • valores conflitantes. Quase sempre os objetivos de uma equipe de saúde entram em conflito com as questões capitalistas que movem os interesses dos empresários da saúde.

 
Qualquer uma das seis áreas citadas acima representa um bom ponto de partida para se conquistar um equilíbrio maior no trabalho com menos desgaste físico e emocional, se os percebermos como adequação ou compromisso:
 

  • carga de trabalho sustentável e sem excessos, com merecidos descansos e atenção para si mesmo e sua família;
  • sentimento de escolha e autonomia, pois não há por que aceitar tarefas herculanas por mera ambição;
  • senso de união de equipe, na qual todos devem conhecer e respeitar o papel uns dos outros;
  • equidade, respeito e justiça devem ser princípios bioéticos sempre estimulados e lembrados na relação médico paciente;
  • o trabalho na área de saúde tem grande relevância social no bem-estar de todos e deve ser valorizado com reconhecimento e recompensa. Deve-se trabalhar por preços justos e sem ferir o código de ética médica que diz estar vedado ao médico trabalhar recebendo honorários vis. Se aceitamos trabalhar em parcas e pobres condições, a responsabilidade deixa de ser do outro. Somos senhores do nosso destino.

 
As razões do mercado que movem o mundo e os homens, só nos oferecem a repetição de sua própria trivialidade, revestida das aparências de um “saber viver” que só funciona se conseguirmos reduzir a vida à sua dimensão mais achatada: o circuito da satisfação de necessidades. Esse circuito parece o da agitação de um desejo insaciável, mas não é; pois os objetos oferecidos para nossa sociedade são tão banais e equivalentes quanto todas as mercadorias. Além disso são objetos que existem no mundo criando a permanente ilusão de que o desejo pode ser satisfeito – ao passo que o objeto do desejo é um objeto inexistente, perdido desde sempre, cuja busca lança o sujeito numa incansável repetição. Mas é nessa mesma busca que se originam, vez por outra, todos os atos de criação humanos.
 
Resta ao homem, a esperança e o seu desejo que algo se salve, além do paciente, que muitas vezes, está completamente abandonado e esquecido na sua dor. Que haja um mínimo de dignidade profissional! Que haja esperança! Que haja saúde mental e discernimento por parte destes médicos. Que haja a conscientização de mudanças e criação! Que haja rigor ético: desejamos que profissionais de saúde exercitem a ética do autocuidado!